solo exhibition | DISSONÂNCIAS

April 30, 2016 João Alexandrino News 0 comments

Dissonhâncias: De um profundo sono ergui meus gritos

As obras aqui apresentadas por JAS respondem a um nome que as (des)integra: dissonâncias. Este substantivo, tendencialmente aplicado a coisas com sons, é especialmente apto a propor-nos não apenas uma adivinhada desarmonia no interior de cada peça, pressentindo a esse respeito também uma desarmonia do conjunto em que se insere, como também uma desarmonia, quando não uma instabilidade, no âmago do seu medium de eleição: a arte pictórica. Na verdade, resulta mais ou menos evidente uma certa miscigenação de técnicas e suportes na obra de JAS. Suspeitamos aliás que a sua pintura está impregnada de vícios escultóricos, gráficos, em que a colagem e a assemblage se intercalam e cooptam numa espécie de dança de técnicas e maneirismos. Esta instabilidade fala-nos de uma profusão material nas possibilidades do artista mas também de um desassossego.
A metáfora da dança parece ser particularmente operativa. É como se uma certa instabilidade e o (des)acordo das técnicas e suportes tomasse conta do conjunto, concorrendo para uma promiscuidade que é em si a unidade integral e inalienável do que se entendeu mostrar.
Mostrar é o último acto do artista. Ao mostrar não só ele executa uma sentença de completude como ao assinar o quadro assassina-o, condenando-o a uma morte preservada — ou pelo menos a um sono. O pincel, o cinzel, a goiva, são as armas de uma execução. Aliás o vigoroso traço de JAS é muito frequentemente uma navalhada. Mas em último caso é o próprio artista que se condena a um fim, na materialidade preservada do momento em que entendeu chamar o fim do seu gesto criador. A assinatura é um assassinato em termos metafísicos pois simboliza o fim da própria obra de arte enquanto representação e experiência do real e nessa medida antecipa simultaneamente uma ansiedade, a da eventual imperfeição da obra em si, a angústia do criador por uma totalidade afinal desequilibrada.
Toda a obra é um tipo de fóssil. Ela perpetua-se simbolicamente mediando um fim. Esse fim é não só o seu próprio fim, como o fim da experiência que a possibilitou e em que se materializou e ainda uma amostra do fim de todas as coisas. Nesta dança macabra, a peça exibida é anatómica e participa desse modo do silêncio espectral das coisas que confessam em silêncio. É um tipo de urna, de sarcófago, uma espera numa câmara frigorífica.
Mas a obra preserva em si também o descanso do artista, que nela descansa dela própria, dos trabalhos da sua criação, tal como o Criador ao sétimo dia. Todavia este é um descanso perverso, já que se resume a um adormecimento constantemente importunado —despertado — por sonhos, sonhos no interior da sua obra, enquanto dissonâncias participadas por gritos provindos de inquietações pessoais do criador e inquietações resultantes do malabarismo das técnicas, materiais e género que ali se agregam. Deste modo a obra confessa a dissonância e a ansiedade interiores presentes e hostis no âmago do gesto do artista, agravadas pelo gesto fundacional da sua assinatura que é o gesto do seu fim. A sua trasladação para o espaço da galeria ou do museu é um ritual de luto. Esta sua promoção à visibilidade ensurdece a polifonia dissonante de gritos interiores. Os da própria obra e os do seu autor.

Daniel Jonasgaleria-solar-JAS

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