“Creator and destroyer vs landscape” by João Alexandrino aka JAS | solo exhibition | Opening_ March 4 | In display_ March 4 to May 1 | 2016
Museu Municipal de Resende | Rua Dr. Amadeu Sargaço | 4660-238 Resende
Creator and destroyer vs landscape: um nado-morto
Há na génese da criação de JAS um aproveitamento de um tipo de devastação já anunciada anteriormente, concretamente no caso do seu ciclo diluviano “Underwater”. Falar-se de génese no caso de uma operação de reconstrução plástica de materiais torturados pelo tempo é particularmente eficaz quando tal cosmética criativa dá lugar a um novo-velho. No tempo parece, aliás, residir a chave para a leitura deste grupo de uma isonomia bastante monástica, como se a cada passagem das peças do seu políptico uma deslocação temporal se afigurasse, tão sensível e ligeira como as marcas de um envelhecimento diminuto num rosto humano.
Há, precisamente, uma relação estreita entre pobreza e senescência, no sentido em que os materiais pobres revelam as marcas abertas de uma exposição mais vulnerável à passagem do tempo. Os materiais de JAS são deste modo a exposição clara a uma doença: a doença do tempo. É como se um tipo de progéria em arte estivesse por detrás da exposição dos materiais que nos são propostos enquanto veículo de uma transposição. Um envelhecimento acelerado e precoce foi imposto a um objeto que, exposto a uma violência dos elementos — no caso do políptico — e partindo de uma devastação anterior dos materiais — no caso da assemblage —, confinou este conjunto a uma adultícia, quando não uma ruína, forçada.
Este conjunto radicaliza uma clara interpelação por via da textura dos materiais. Um tratamento visceral e agónico aproveita a viciação da forma em função de uma sobreposição de camadas degenerativas para uma eventual condenação a uma purga peculiar: a do seu regresso ao lixo, banidas de um espaço de validação artística. As peças sofreram um prelúdio de purga não só por acção do tempo e dos elementos como da violência do seu estado de conservação. Na realidade, o desgaste imposto pelo tempo e pela deficiente conservação do conjunto agiu nele como uma prótese do artista, um tipo de artista remoto e imprevisível que foi continuando paulatina e pauperrimamente a sua obra. Este foi também o modo entendido para reificar as peças da colagem. Todas elas partilham esta história de deterioração prévia e enquanto materiais pobres e desfigurados resgatados para um palimpsesto que redime, de certo modo, a sua inutilidade técnica individual.
Se as tábuas tristes e depreciadas são a remissão de um passado, isso é porque na deterioração não tocada da sua colagem, na sua velhice inalterada, se assiste a um programa perverso de cosmética, uma operação em que velho mais velho é igual a novo-velho, pelo que a equação metafísica da visão de JAS é a de que o tempo é um deus imparável e não há como impedir este tritão de ferrugem de se se alastrar como uma doença pelos materiais.
A intenção de JAS não é o restauro pela reconfiguração artística, no sentido em que o artista no seu gesto agrupador funcione como uma divindade que cria o novo a partir do velho. Esta paisagem de velhos que a criação na destruição convoca funciona mais como espelho-imagem das próprias obras que se mostram e a si mesmo se reflectem, condenadas a uma estase sem sentido que não a da sua deterioração ulterior. O sofrimento real inscrito nas peças pobres e que a operação plástica de JAS não contraria é a mutilação que antecede e procede da obra que parece querer descartar-se a si mesma, seja como um dejecto, seja como recusa do mesmo tempo que a cria e nas suas mãos a perpetua em agonia.
Daniel Jonas